domingo, 18 de abril de 2010

Retratos de Belém -Por Polliana Nobre



Parece estranho dizer que gosto de “coisas velhas” nesse mundo que muda tanto de “cara” apresentando sempre algo novo e ainda mais belo.
Mas é que meu passado me faz amar meu presente. Ele construiu o que vivo hoje e talvez seja por isso que eu estou tão ligada ao que o representa.
Ando pelo Carmo nessa manhã, um dos poucos lugares que eu ainda não tinha parado para analisar e percebo que em cada passo que dou nesse canto “velho” da cidade velha , me transporto para o que foi e para o que ainda é.Meus passos entorteiam nas ruas depois do “Arraiá do Pavulagem”.Não eu não bebi.Me sinto sensivelmente arrastada pelo passado.
O ar quente costumeiro da tarde e o calor que evapora do asfalto já molhado pela chuva acentuam essa sensação e de repente as coisas mudam.
Belém 1840.
Cheiro de revolta ainda no ar, cabanos e milícias em choque. Belém é pura luta e traição, traição e luta.Algumas casas estão ainda sendo construídas, outras já estão lá...são vilelas sujas as ruas, ainda é início Belém.Fico num impasse.Vejo as travessas não sufocadas pelo piche e ao mesmo tempo vejo o povo , de agora, que brinca por essas mesma ruas estreitas, se deleitando na mistura alegre de bebidas, bois e carimbó. Não sabendo o que escolher ,ou melhor, não tendo porque escolher, percebo que é impossível dissociar essas duas Beléns.
Nas praças-idosas, nas ruas-histórias, se misturam no “remelecho carimbolenho” o novo e o velho, dois retratos com elementos indefinivelmente variados. Belém é mosaico e eu me sinto tonta.Sei que não é o calor, é a beleza dessa mistura que me desnorteia e me chama.
Tem muita gente que não gosta dessa parte da cidade (acham melancólica e estragada).Eu particularmente adoro.Falta ainda um olhar mais carinhoso para cuidá-la, mas é de um encantamento único.
Simpática Belém que não se importa com suas “enormes rugas” a mostra.
Vi ela viva hoje como uma velha senhora que ainda parideira, carregava a nova Belém(que não tem para mim um rosto definido, mas que cresce indiscutivelmente).Em frente a um prédio muito antigo no formato de dois “vês” invertidos cortado pelo térreo andar, a senhora Belém sorria .Percebo um movimento dentro dela.Belém nova se mexe,dá sinal de vida.Vejo crianças nas janelas deterioradas do antigo casarão, vejo cores morenas dentro da pobre e bondosa mansão cinza.Ambas Beléns se pertencem, uma necessita da outra e as duas se sustentam de tábuas, cimentos e tijolos de poesia.

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